O pouco que sabemos
Nunca encontrei nenhum texto sobre o filme To have and have not (1944), de Howard Hawks, que não fizesse qualquer referência ao romance entre Bogart e Bacall, encetado durante a sua rodagem. Aventemos, sem grande ponderação, duas possíveis razões para que isso tenha acontecido: a) esses textos não existem; b) as pessoas que ensaiaram alguma prosa sobre o filme, sem mencionar o romance entre os dois actores, foram subtilmente arrastadas para uma garagem nos subúrbios, onde lhes cortaram os dedinhos e as encarceram para todo o sempre (é muito tempo). Uma vez que não pretendo arriscar esse destino, gostava de sublinhar que foi durante as filmagens de To have and have not que Bogart e Bacall se enamoraram. E o amor, como se sabe e não se sabe, é a forma mais directa, bela, violenta, sublime e ridícula de to have e, lá está, have not.
Agora coloquem os vossos chapéus e recuem até à primeira década do século XX. Se forem bem guiados (este parágrafo serve para isso), é provável que encontrem o adolescente Hoagy Carmichael a atravessar as ruas de Indianapolis em direcção aos bordeis e speakeasies onde vai ganhando as suas primeiras experiências como pianista profissional e percebendo, de perto, como as síncopas diabólicas do ragtime podem agitar as carnes.
Apesar de Hoagy Carmichael ser sobretudo conhecido (e reconhecido) como o compositor dos clássicos Stardust, Georgia On My Mind e Heart and Soul, eu gosto bastante dele também enquanto intérprete, porque Hoagy preserva, com pinta, um lado marginal muito belo. Não naquele sentido de irreverência e insubordinação espalhafatosa. Hoagy Carmichael pertence às margens porque, sempre que ele canta, o imaginamos no fundo da sala, enquanto a vida pulsa noutro lugar, algo alheia ao ímpeto da música. Há nele uma descontracção e uma consciência da nossa fascinante irrelevância que talvez sejam um legado daqueles primeiros tempos em Indianapolis, em que o fumo e o desejo empurravam o piano para a sombra. Será, quem sabe, por isso, que esta cena quase doméstica, em que Bacall ouve uma versão ainda muito crua do tema "How little we know", nos deixa tão maravilhados. Hoagy não é um animal de palco, é o cão que dorme no nosso sofá.
Já agora: isto é cinema a sério porque a música (óptima) ganha novas cintilações só por ela estar ali, do lado esquerdo, a fazer aquilo.
Agora coloquem os vossos chapéus e recuem até à primeira década do século XX. Se forem bem guiados (este parágrafo serve para isso), é provável que encontrem o adolescente Hoagy Carmichael a atravessar as ruas de Indianapolis em direcção aos bordeis e speakeasies onde vai ganhando as suas primeiras experiências como pianista profissional e percebendo, de perto, como as síncopas diabólicas do ragtime podem agitar as carnes.
Apesar de Hoagy Carmichael ser sobretudo conhecido (e reconhecido) como o compositor dos clássicos Stardust, Georgia On My Mind e Heart and Soul, eu gosto bastante dele também enquanto intérprete, porque Hoagy preserva, com pinta, um lado marginal muito belo. Não naquele sentido de irreverência e insubordinação espalhafatosa. Hoagy Carmichael pertence às margens porque, sempre que ele canta, o imaginamos no fundo da sala, enquanto a vida pulsa noutro lugar, algo alheia ao ímpeto da música. Há nele uma descontracção e uma consciência da nossa fascinante irrelevância que talvez sejam um legado daqueles primeiros tempos em Indianapolis, em que o fumo e o desejo empurravam o piano para a sombra. Será, quem sabe, por isso, que esta cena quase doméstica, em que Bacall ouve uma versão ainda muito crua do tema "How little we know", nos deixa tão maravilhados. Hoagy não é um animal de palco, é o cão que dorme no nosso sofá.
Já agora: isto é cinema a sério porque a música (óptima) ganha novas cintilações só por ela estar ali, do lado esquerdo, a fazer aquilo.
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