Era uma vez
Enquanto eu, esganado de fome de classe-média, comia uma tosta mista e bebia um café absolutamente necessário, duas raparigas conversavam aos gritos na mesa do lado. Quando a conversa serpenteava por assuntos mais privados, elas baixavam um pouco, quase nada, o tom de voz, deslocando-se assim, com algum desconforto, para um patamar de um ainda ténue recato mas já visivelmente estrangeiro à natureza delas. Ou seja, ouvi tudo. Como não sou a wikileaks do povo, seleccionei apenas alguns excertos irrelevantes da conversa, incluindo porém, no resumo, e em jeito de rebuçado, uma tradução desses fragmentos, elaborada por mim, em espectacular simultâneo com o decorrer dos factos:
(...) e como tu tens um temperamento ligeiramente obsessivo (...)
(meu deus, como tu és obsessiva! oh, como são grandes e violentas as tuas obsessões!);
(...) sim, eu percebo, também já passei por isso (...)
(cala-te um bocadinho agora que é para eu te contar a minha história);
(...) pois, claro, hmm, hmm, (...)
(não estou a ouvir nada do que dizes mas, por enquanto, ainda não adormeci);
(...) achas que fui imprudente? não, eu também já passei por isso (...)
(valha-me deus, cala-te lá e deixa-me contar a minha história).
E assim foi. Depois da primeira, veio a segunda história. Passaram-se dias e anos, naqueles minutos, com os príncipes suburbanos a fugir das princesas suburbanas e as princesas suburbanas a fugir dos príncipes suburbanos, num rocambolesco carnaval de desencontros. Mas quando elas se calaram por fim e, pegando nas malinhas com cores de verão, abandonaram o café, eu olhei para a mesa vazia, para aquele silêncio tão bonito, e vivi feliz para sempre.
(...) e como tu tens um temperamento ligeiramente obsessivo (...)
(meu deus, como tu és obsessiva! oh, como são grandes e violentas as tuas obsessões!);
(...) sim, eu percebo, também já passei por isso (...)
(cala-te um bocadinho agora que é para eu te contar a minha história);
(...) pois, claro, hmm, hmm, (...)
(não estou a ouvir nada do que dizes mas, por enquanto, ainda não adormeci);
(...) achas que fui imprudente? não, eu também já passei por isso (...)
(valha-me deus, cala-te lá e deixa-me contar a minha história).
E assim foi. Depois da primeira, veio a segunda história. Passaram-se dias e anos, naqueles minutos, com os príncipes suburbanos a fugir das princesas suburbanas e as princesas suburbanas a fugir dos príncipes suburbanos, num rocambolesco carnaval de desencontros. Mas quando elas se calaram por fim e, pegando nas malinhas com cores de verão, abandonaram o café, eu olhei para a mesa vazia, para aquele silêncio tão bonito, e vivi feliz para sempre.
6 Comments:
:)
Não sei porquê, imaginei toda essa cena na Leitaria Quinta do Paço.
Acabei de ler. Vou ler outra vez. Que pequena maravilha.
Frio, Menina Limão.
Ó pá, eu gostei disto. Não tenho mais nada a dizer.
m. de v.
(resposta do teu blogue quando tento assinar: "you do not own that identity". Não sei se isto é literal)
Pode não ser a forma mais elegante de receber as pessoas (juro que não tenho culpa, m. de v.), mas há que reconhecer que "you do not own that identity" é uma grande frase.
Indeed.
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