De todos os países onde nada se passa, a Eslovénia é talvez o meu preferido. Com cerca de um quinto da área de Portugal, a Eslovénia alberga, preguiçosamente, apenas um exemplar de cada elemento: uma grande montanha (Triglav), uma cidade semi-cosmopolita (Ljubljana), uma praia (o que sobra da costa da Croácia), um intelectual famoso (Žižek) e um jogador de futebol (Zlatko Zahovič). Mesmo para um país jovem, esta não será uma lista que impressione por aí além, mas alto e pára o baile, que as contas fazem-se no fim e ainda agora começámos. Enquanto muitos dos idiomas indo-europeus preservaram pelo menos três formas para o género (normalmente juntando o neutro ao feminino e masculino), quase nenhum utiliza, actualmente, mais do que duas flexões gramaticais para o número. Regra geral, nas línguas vivas, estamos confinados ao plural e ao singular. O esloveno, contudo, é um dos poucos idiomas que tem três formas para o número, pois para além do singular e do plural, existe o
dual (como no grego antigo, julgo eu). Estas duas últimas distinguem-se uma da outra porque enquanto o plural se utiliza para um grupo alargado de objectos ou pessoas (pelo menos três, e todos sabemos que
três pessoas é quase sempre uma multidão), o dual fica reservado apenas para dois objectos ou duas pessoas. O esloveno oferece-nos assim, sem artifícios, uma ferramenta gramatical capaz de separar, com clareza, o que se refere ao par (sublinhando, consoante o contexto, a escassez ou a intimidade) daquilo que é característica de muitos (dando ênfase à abundância ou à dispersão). Isto não é útil? Claro que é útil. Numa época em que se glorifica a simplificação da gramática para estimular e facilitar a comunicação entre as pessoas tão atarefadas do nosso século, o esloveno mostra-nos que, por vezes, dotar a linguagem de alguma complexidade pode facilitar-nos a vida. A vida difícil, em grupo ou a dois.