Apesar de ter desrespeitado as indicações soberanas do nosso Excelentíssimo Presidente da aniversariante República, abalando para províncias de Espanha durante o último querido mês de Agosto, tenho vindo a acumular inúmeros pontos no meu Patriot Card, na esperança de poder convertê-los em Galos de Barcelos com molho picante e batatas fritas, assim que a fome me apertar numa estação de serviço da A1. Nas últimas semanas, por exemplo, para além de José Sócrates me ter amavelmente inscrito no grupo de escuteiros que vai ajudar a despesa pública a atravessar a rua, li também, sem coacção de nenhuma espécie, dois livros de autores portugueses: um romance da Agustina Bessa-Luís («Concerto dos Flamengos») e uma novela do Mário Zambujal («Histórias do Fim da Rua»). Não pode haver autores mais distintos na hora de dar espessura e altura às personagens. Enquanto Agustina Bessa-Luís prefere apresentar-nos as madames e os fidalgos de linhagem que a sua ilustre cabeça inventa através de uma média de cinco aforismos por minuto (muito acima dos valores praticados pelo cidadão espirituoso mais comum), Mário Zambujal confia no poder absoluto de um único mas revelador e rocambolesco episódio, submetendo as personagens a provações que tanto podem envolver duas estrangeiras desinibidas, como um Portugal-Suiça em juniores ou um incêndio inconveniente para quem se vê de calças adúlteras na mão. São dois escritores muito distintos (é certo) mas ambos com uma indiscutível atracção por fruta com bicho:
«a má qualidade numa mulher é sinal positivo e aumenta a possibilidade de ela ser saborosa como a fruta bichada» - Concerto dos Flamengos, Agustina Bessa-Luís
«Esperássemos mais dois mesitos, e não bastava a tristeza de assistirmos à razia, buldozers sem coração escanecando a rua; teríamos também de presenciar – começa aqui a parte confidencial, atenção – o azedo rompimento entre dona Nídia e o doutor Sérgio, que se descasaram, como era óbvio (fruta bichosa não adianta metê-la em calda) […]» - Histórias do fim da rua, Mário Zambujal