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Escapa-me como é que pudemos ter lido Os Maias
(..) sem perdermos um segundo a perceber porque é que algumas daquelas passagens são mesmo grande literatura, sem as lermos em voz alta, porque para aprender a gostar de literatura, é preciso ler em voz alta.»
Isto é um excerto de um artigo do Pedro Lomba, no
Público da passada quinta-feira, que eu, tal como vocês, li muito caladinho enquanto bebia o café da manhã. Parece-me indiscutível que o ensino da literatura (bem como da ciência, das línguas estrangeiras, das artes e do desporto, embora ninguém se preocupe realmente com esta última dimensão da aprendizagem) está repleto de deficiências e de imperfeições de tal ordem que chega a ser surpreendente - e maravilhoso - que alguém sobreviva à escolaridade obrigatória com genuína vontade de ler, pensar e correr. Também não tenho nada contra a ideia de substituir, nas salas de aula deste magnífico país em construção, a maior parte das curvas e contracurvas da
análise de texto pela simples leitura de passagens breves, capítulos, ou até de obras integrais de autores de preferência mortos (não estou a exagerar no leque de possibilidades: aos 11 anos fui aluno de uma professora que, durante todo o período lectivo, usou muito bem a primeira parte das aulas de duas horas para nos ler, aos pedaços, um livro inteiro, perante o nosso ora atento ora distraído semi-silêncio). Mas, e aqui é que a porca torce o rabo, hei-de sempre combater, com todas as minhas forças (descansem, não são muitas), esta doutrina pomposa de que «para aprender a gostar de literatura, é preciso ler em voz alta.» Haverá, certamente, quem se tenha aproximado da literatura, com empolgamento e fascínio, por ter lido ou ouvido alguém ler em voz alta (apesar de eu não conhecer nenhum caso), mas o mais provável é que esse gosto tenha nascido por contágio, de maneiras mais subtis e silenciosas. Embora não tenha grandes certezas neste assunto, apostaria sem nenhuma reserva, com o Pedro Lomba e demais seguidores fundamentalistas da corrente
João Villaret da pedagogia, que não é preciso - não é mesmo - ler em voz alta, para aprender a gostar de literatura.