≡≡≡≡≡≡≡≡≡≡ 28.4.12
≡≡≡≡≡≡≡≡≡≡ 20.4.12
≡≡≡≡≡≡≡≡≡≡ 17.4.12
≡≡≡≡≡≡≡≡≡≡ 16.4.12
Fantasmas
Em 1983, dois homens adultos (estes tipos), que a mais de cem metros das suas residências quase ninguém conhece, inventaram a música e letra da canção Like a Virgin (incluindo aquele "ooh!" em falsete) e ofereceram-na (é uma forma de dizer) a uma cantora jovem e fresca, embora, na altura, ainda sem notoriedade que lhe permitisse encher o Pavilhão do Sangalhos numa sexta-feira à noite. Não querendo apagar as qualidades transgressoras da Madonna dos primeiros tempos, parece-me inegável que ela, sozinha, teria sido incapaz de transformar a sua irreverência sexual num refrão suficientemente forte para conquistar a simpatia deste mundo cruel e, mais tarde, um lugar na colectânea Jackpot. Digam o que disserem, há nestas transfusões criativas um pouco de beleza. E Billy Steinberg e Tom Kelly são apenas dois dos generosos fantasmas que atravessam as boas músicas más a que ninguém sabe resistir ou escapar. Agora, em pleno séc. XXI, a máquina na sombra carbura assim.
≡≡≡≡≡≡≡≡≡≡ 13.4.12
Paisagem humana
Embora reconheça um lado lúdico na experiência, devemos evitar contactar prolongadamente com pessoas cujos traços de personalidade parecem ter sido desenhados pelo arquitecto Troufa Real.
≡≡≡≡≡≡≡≡≡≡ 12.4.12
Crónica póstuma do retornado
Durante os primeiros meses, após o meu regresso à pátria, depois de alguns anos de vida no estrangeiro sem enviar divisas, eu deambulava frequentemente pelas ruas do Porto, só para ouvir homens e mulheres a falar português com a boca toda, e olhar os prédios, um por um, até colar as ruas à minha memória em desordem. Numa dessas rotas contemplativas, apercebi-me de um edifício recuperado, perto do Palácio da Bolsa, que eu não conhecia com aquela fachada tão limpa. Como a porta estava aberta e ninguém me impediu a ousadia, subi as escadas em câmara lenta, pois era assim que eu me movia nessa altura, enquanto reaprendia aos poucos a ser português (quatro sandes de panado depois, a reconversão total seria concluída). No primeiro piso, luminoso e de um admirável pé direito, para além das paredes quase nuas, havia uma pequena mesa e uma cadeira onde estava sentada uma rapariga bem bonita, quase adormecida naquele silêncio. À minha chegada, ela sobressaltou-se ligeiramente mas, logo em seguida, fez um movimento com a cabeça, anunciando, sem equívocos, que estaria mais do que pronta para as minhas perguntas. Eu só tinha uma (o que raio é isto?), apesar de ter feito outra. Com sotaque, a rapariga explicou-me que o edifício escondia um auditório e algumas salas equipadas para receber exposições. Na verdade - disse-me ela – nessa mesma semana decorria uma exposição que eu poderia visitar, caso fosse essa a minha vontade de cidadão visivelmente deslumbrado. Depois fez uma pausa e arrancou a seguinte pérola: “trata-se de belas artes.” Não sei se esta expressão tem o mesmo efeito em toda a gente mas eu acho-a irresistivelmente cómica. Logo na altura, não consegui reprimir um sorriso genuíno, embora ainda estivesse longe de perceber a utilidade daquelas palavrinhas. E, meus amigos, como elas são úteis! Agora, quando regresso de exposições, filmes ou concertos de que não gostei ou sobre os quais não me apetece falar, e me perguntam “que tal, Daniel?”, eu encolho os ombros e engatilho logo: “trata-se de belas artes”. Como se não bastasse, a abrangência da expressão é colossal, uma vez que ela também funciona às mil maravilhas para resumir alguns artigos de jornal e algumas doses de polvo à lagareiro em certos e limpíssimos restaurantes.
≡≡≡≡≡≡≡≡≡≡ 4.4.12
Carácter (4)
Sentia-se infeliz, ultrajada... Reconhecia uma certa verdade no que acabava de ouvir. Mas como podia alguém ser tão injusto para com ela? "Serei eu tão má?" - pensou. E olhou-se a um espelho que estava entre duas janelas. O espelho reflectiu um rosto encantador, um pouco excitado, com um rubor que vinha e se sumia, mas apesar de tudo um rosto fascinante, uns olhos maravilhosos, meigos, aveludados... "Eu? Eu má?", pensou ela de novo. "Com estes olhos?"
- Capítulo XXVI de "Solo Virgem", de Ivan Turguénev (traduzido por Manuel de Seabra).
- Capítulo XXVI de "Solo Virgem", de Ivan Turguénev (traduzido por Manuel de Seabra).
≡≡≡≡≡≡≡≡≡≡ 2.4.12
Carácter (3)
Nada nem ninguém nos devia impedir de devorar páginas escritas por filhos da mãe, psicopatas, proxenetas e génios alucinados, apaixonarmo-nos por essas páginas e odiarmos os pulhas que as escreveram. O problema é que para além do que escreve a Carla há outra questãozinha - há muito boa gente que branqueia a filha da putice desses génios porque a paixão pelas letras deles lhes fulmina a razão. Não tem falhas, mas faltou esta outra vertente da coisa. Ou não, sou só eu que sou um bocadinho para o chato.
- António, comentando este outro post.
- António, comentando este outro post.